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Capitão Fausto: o pico não se procura, contempla-se

Primeiro de quatro concertos na Culturgest, em hora e meia de ternura cancioneira.

Capitão Fausto: o pico não se procura, contempla-se
DR - fotos da rodagem do filme-concerto Sol Posto

Os Capitão Fausto iniciaram a sequência de quatro concertos no Grande Auditório da Culturgest, em Lisboa, já com o atual espetáculo intimista bem rodado pelo país. Não convinha desordenar o alinhamento, nem baralhar um encadeamento muito bem pensado de canções.   

A banda lisboeta, agora reduzida a quarteto efetivo com a saída do teclista Francisco Ferreira mas reforçada para sexteto ao vivo com mais dois membros de palco, já está em pleno ciclo do comedido álbum “Subida Infinita” que ocupa quase metade das músicas tocadas em toda a atuação.

Vinham vestidos com fatos, como quem vai para um casamento. Mas o vocalista Tomás Wallenstein estava mesmo com um toque de artista, na sua excentricidade alva, num contraste luminoso e angélíco com os demais companheiros terrenos. 

Uma das novas canções, ‘Muitas Mais Virão’, abre o concerto e faz logo a sinopse do que nos espera, naquela introspeção meditativa, acentuada por um Tomás Wallenstein recolhido e sentado ao pequeno piano. O baixista Domingos Coimbra e o guitarrista Manuel Palha formam com os seus dois novos companheiros de estrada um quarteto vocal de coros suaves e beatlescos. Quando se faz a embrulhada instrumental para a breve turbulência, o prog-rock então emerge como um pátio de recreio.

A segunda música da noite tem um título que não mente, ‘Andar à Solta’, a que Tomás Wallenstein dá o exemplo, levantando-se do banco e saltando para a frente do palco, para um postura clubbing e um olhar mais confrontacional. O performer está ali para o que precisarem, portanto.

Domingos Coimbra “abre as hostilidades” do falatório, mostrando o seu regozijo por finalmente estarem ali para apresentarem um álbum que demorou cinco anos a ser feito. Tomás Wallenstein sabe bem que está a decorrer nesta noite o grande dérbi nacional de futebol e brinca foneticamente com a “luz” que diz estar a ver: a maiúscula do estádio do Benfica na minúscula dos telemóveis. ‘Faço as Vontades’ é a primeira incursão no passado. Em ‘Sempre Bem’, muitos espectadores já mal se aguentam sentados, com vontade de extravasarem energias, enquanto Tomás Wallenstein pendura o casaco claro nas costas e depois no suporte de microfone, objeto que passa a acumular a função de bengaleiro da estrela da noite. Já ‘Corazón’ inspira um curioso acompanhamento percussivo no público com a cadência de castanholas - ou algo assim do género.

O rock dos Capitão Fausto prossegue meigo em ‘Nada de Mal’, com Wallenstein novamente ao teclado do piano, onde se agiganta no diptíco ‘Amor, a Nossa Vida’, a merecer dedicatória ao falecido amigo e músico Gastão Reis. 

A máquina polifónica à Beach Boys continua a efabular o concerto dos Capitão Fausto, com Domingos Coimbra e Manuel Palha a dobrarem vocalmente Tomás Wallenstein em ‘Nuvem Negra’, antecipando os versos, como quem prepara a cama a um amigo. O tema ‘Certeza’ é uma algazarra geral, a instigar ruído no público e um carrossel de solos, num pingue-pongue entre sopros e teclas. “Na na Nada’ ´é o iminente tema de culto dos Capitão Fausto, mais um, com exalação de funk e pedido não verbalizado de bailarico. 

O anfiteatro está quase a virar arena. São os Capitão Fausto que distribuem as cartadas e os áses têm que ser atirados à mesa. ‘Morro na Praia’ é o prenúncio do vendaval. ‘Amanhã Tou Melhor’ é uma doce indecisão entre o intimismo e a ameaça de extroversão, numa ambiguidade de que a canção tira proveito. A festança de ‘Santa Ana’ é a ordem ao público de levantamento geral e imediato das cadeiras e agora sim, já estamos num concerto de rock. É neste tema que as coisas endiabram. O baterista Salvador Seabra mostra a sua paleta diversa de rufos a lembrar o porta-aviões de tambores que estava ao dispor de Nick Mason, dos Pink Floyd, que parecia o Cabo Canaveral.

No brinde final, em ‘Boa Memória’, parece estarmos perante um bando de crianças sobredotadas, com um talento instrumental monstruoso mas com vozes que ainda precisam de engrossar. O ambiente em palco é do festival infantil Sequim d'Ouro, mas com um toque psicadélico, porque os pais têm uns discos porreiros lá nas suas casas e os putos deles, já se sabe, absorvem tudo num instante, com uma criatividade espetacular.

Segue-se o encore e os modos dos Capitão Fausto voltam a ser ternos e cavalheirescos, tocando ‘Lentamente’ e ‘Nunca Nada Muda’ como quem serve chá e scones. Nesta quarta, quinta e sexta, à mesma hora, no mesmo sítio, com os mesmos anfitriões. Pelo que vimos, vai ser bom.