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Manuel Fúria: "a música não deve ser patriota"

Novo álbum "Viva Fúria" desde este mês nas lojas. Entrevista ao ex-líder dos Golpes.

Manuel Fúria: "a música não deve ser patriota"

Manuel Fúria está de volta com os seus Náufragos, para o segundo álbum a solo "Viva Fúria", que fez já um brilharete no top nacional de álbuns ao alcançar o 5º lugar há duas semanas.

Trata-se de um regresso às raízes: à quinta de família no Minho onde gravou este disco; e ao método de menos músicos, depois da experiência mais aparatosa com o disco de estreia "Manuel Fúria Contempla Os Lírios Do Campo".

Oiçamos de viva voz este filho musical dos Heróis do Mar e dos Sétima Legião. Sem serem necessários grandes patriotismos. Viva (o) Fúria!

 

O refúgio no campo para um álbum urbano é um contraste interessante?
Para este álbum fomos gravar numa quinta do Minho, porque havia essa possibilidade e não tanto por ser um disco conceptual. Antipatizo um bocado com a ideia de estúdio e com o ambiente de aquário mais claustrofóbico e artificial. Hoje gravar num estúdio não é o mesmo que há 40 anos. Se calhar, [antes] havia essa possibilidade de estar mais tempo em estúdio. As experiências de estúdio que tenho tido são sempre a contar as horas e os minutos, num ambiente de grande pressão, por falta de dinheiro e por essas coisas todas. Neste caso do "Viva Fúria", proporcionou-se irmos dez dias para esta quinta todos ¿ a banda e quem gravou que foram os Salto (o Luís Montenegro e o Gui Tomé Ribeiro). Não há um lado conceptual. Foi possível fazer ali. E ainda bem porque é no campo. Mas é um acaso. Houve a possibilidade de estarmos em ambiente familiar e tranquilo, claro que com a responsabilidade de estarmos a gravar um disco. Mas com a rotina de trabalho muito mais tranquila, com muito mais hipóteses de poderes arejar a cabeça quando é preciso. O sítio não influenciou propriamente um contraste urbano-rural. É mais ir para um sítio onde se podem fazer as coisas com tempo e com a tranquilidade que é precisa para gravar um disco como deve ser.

 

Podemos dizer que a tua música é nostálgica? Pelo menos, é carregada de memórias pessoais.
Às vezes sim, às vezes não. Acho que não é uma característica que atravesse as canções todas mas que de vez em quando surge.  

 

Ouvindo os teus álbuns como Manuel Fúria, sente-se um som mais arrebatador que não se sentia nos Golpes. Concordas?
Talvez, sobretudo no ["Manuel Fúria Contempla os] Lírios do Campo" houve essa tentativa de fazer uma coisa grandiosa. Neste novo disco, o objectivo não era tanto fazer uma coisa grandiosa, mas sim voltar a casa no sentido de dar um ambiente em que me sinta mais à vontade. "Os Lírios do Campo" é um desvio de percurso que começou a ser feito quando Os Golpes ainda existiam. "Os Lírios do Campo" serviram como uma coisa diferente que não seria possível nos Golpes. Nessa altura, montei uma pequena banda pop-rock de câmara: um grande grupo com dois violinos, um trio de metais, bandolins e uma série de coisas, com a ideia das grandes bandas irlandesas em versão portuguesa, como ou os Pogues ou os Waterboys. Mesmo os Arcade Fire ou os Broken Social Scene fazem isso. [É] aquela coisa da banda com muita gente a tocar. Foi um desvio e uma maneira diferente de trabalhar a que não estava habituado de todo. Foi um processo muito difícil, sobretudo para gravar o disco. A mistura dos arranjos foi uma grande complicação. Com o "Viva Fúria", voltei à banda rock de quatro ou cinco elementos.

 

O facto de teres tido uma formação numerosa e instável tornou-te a vida mais difícil?
Senti essa dificuldade, até porque aguentar bandas em Portugal não é muito fácil. Há ainda mais dificuldades em manter essa banda quando é numerosa. E que não é bem banda. É um projecto que tem um nome em cima, que é o meu. Em Portugal, é complicado, porque há poucas pessoas. Eu tinha vontade de fazer as coisas de modo mais intuitivo, como estou mais habituado a fazer as coisas.

 

A capa é uma opção estética arriscada?
Acho que não foi arriscada. Percebi logo que a capa ia ficar fixe antes de ela existir. Ficou espectacular. Foi pintada pela Ana Luísa Amado que conseguiu fazer exactamente aquilo que eu queria: a reprodução dos filmes de Hollywood. Desde os anos 80 que os cartazes continuam assim. Se o disco for uma grande porcaria, pelo menos a capa salva aquilo.

 

Sentes que o som idealizado por bandas como os Heróis do Mar ou Sétima Legião não teve a continuidade que devia?
Acho que não houve de todo uma continuidade. Acho que nesse sentido os anos 90 são uma clara ruptura com os anos 80 em Portugal, mas a fazer outro tipo de coisas, com outras ambições, outras opções estéticas, se calhar mais limitadas e menos interessantes do que nos anos 80, quando houve uma proliferação criativa na música pop que só encontro paralelo com estes anos. Nesse sentido, aquilo que tenho feito tem sido uma continuação. Se tivesse progenitores pop, acho os Heróis do Mar e os Sétima Legião podiam caber nessa definição.

 

Falta patriotismo à nossa música?
Não acho que a música ¿ ou a arte, ou o artesanato - deva ser patriota. Seria desejável que os portugueses fossem patriotas. Se bem que já fiz coisas patriotas. Num país ideal esta conversa não estaria a ter lugar, nem existiria uma determinada classe de artistas que se comportam como se não fossem de cá, como se Portugal não existisse ou como se viessem de outro sítio qualquer.